quarta-feira, 27 de maio de 2015

Compostagem humana

Nos Estados Unidos, um projeto começa a ganhar notoriedade por sua originalidade, seja ela positiva ou negativa. Seu nome é Urban Death Project. Seu objetivo: construir o primeiro centro de compostagem humana.

Segundo a idealizadora, a arquiteta norte-americana Katrina Spade, em entrevista concedida ao The New York Times (link), este será um novo passo para o sepultamento humano, deixando para trás a cremação e os possíveis gases de efeito estufa liberados.
"Quando falamos em compostagem, lembramos de cascas de banana e borras de café, mas nosso corpo também possui nutrientes", diz a arquiteta fundadora e diretora executiva da Urban Death Project (tradução literal: Projeto Morte Urbana).

Como o próprio nome diz, isto ainda é um projeto, mas a intenção de Katrina é construir a primeira instalação em Seattle (EUA) o mais breve possível e, posteriormente, difundir uma padrão para que as pessoas possam construir instalações em suas próprias comunidades. "Como bibliotecas", observa ela.

A página oficial do projeto traz algumas perguntas e respostas prontas. Esta é uma delas:


  • Os compostos são seguros?

- A compostagem gera calor, portanto mata vírus e bactérias comuns. Uma pesquisa feita com a compostagem de animais mortos revelou que a temperatura no interior do composto alcança 140 graus Fahrenheit, o que é suficientemente elevada para matar agentes patogênicos. Os agricultores estão usando a compostagem a fim de eliminar, de forma segura, os seus animais mortos, bem como controlar o odor e o escoamento. O projeto é refinar este processo para que seja apropriado e significativo aos seres humanos em um ambiente urbano.


A entrevista finaliza descrevendo que, em uma teleconferência na manhã seguinte, o Sr. Carpenter Boggs, cientista de solos, sugeriu a adição de algum material rico em nitrogênio para que a compostagem seja impulsionada. "Para o gado, o estrume seria o ideal", ela disse, "mas não é apropriado para os seres humanos". Em vez disso, ela recomendou feno de alfafa ou pallets de madeira. A Sra. Spade sorriu e disse "Quem não quer ser colocado para descansar na alfafa?".

PS.: Cada corpo compostado custará aos parentes uma bagatela de $ 2,500 (dois mil e quinhentos dólares).


Aqui vão algumas observações minhas...



  • De acordo com o que informa o tal projeto, a temperatura alcançada durante o processo de decomposição é suficiente para matar bactérias e vírus. A temperatura mencionada é de 140 °F (Fahrenheit), o que equivale a 60 °C (Celsius). Sim, a liberação de calor durante o processo realmente atinge esta temperatura porém, como é de ciência comum entre os corredores do Saneamento Básico, isto não é suficiente para eliminar TODOS os microrganismos patogênicos. Muitos deles são termotolerantes, como os coliformes fecais, e somente podem ser mortos com temperaturas acima de 100 °C (ebulição da água). Considerando que o intestino humano possui mais bactérias do que todas as células do corpo juntas, isto é, 100 TRILHÕES DE BACTÉRIAS, poderíamos afirmar que 65 °C seriam para elas como um "dia quente de verão" para nós. Seria seguro o tal composto para manipulação humana?

  • Os corpos em decomposição liberam de 30 a 40 litros de líquidos corporais conhecidos como chorume cadavérico ou necrochorume, durante os primeiros 6 meses após a morte. O chorume cadavérico contém 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas: a cadaverina e a putrescina ALTAMENTE SOLÚVEIS EM ÁGUA. Sabemos que a matéria orgânica é volatilizada (evaporada) quando aquecida em estufa ou forno mufla a temperaturas entre 105 °C e 360 °C, e o máximo de temperatura que essa massa orgânica irá sofrer é de 60 ºC !!! Em momento algum verificamos nesse tal projeto de compostagem qual será a concentração destas substâncias no composto orgânico final. A página deles observa que o uso do composto é para árvores e vegetações paisagísticas, não devendo ser utilizado em hortaliças, pomares e etc., mas qual o risco dessas substâncias percolarem o subsolo carreadas pela infiltração das águas das chuvas ou das irrigações e atingirem águas sub-superficiais e até mesmo lençóis freáticos e aquíferos? O necrochorume não volatiza à temperatura da compostagem, portanto quais os riscos do contato com o composto final?

  • Eu não tenho tabus ou paradigmas religiosos com relação ao destino do corpo após a morte. Mas sabendo-se que aproximadamente 80% dos americanos possui alguma religião (aqui no Brasil 92% têm religião), e considerando como verdadeiro a declaração de que alguns fazendeiros norte-americanos têm feito isso com seus animais mortos, por que então não partiram inicialmente para experiências com cadáveres de animais domésticos para sentir a receptividade (ou a rejeição)?

  • O corpo humano possui altos teores de gordura, que varia de pessoa para pessoa. Em contato com a umidade, as moléculas de gordura são quebradas e ácidos graxos são liberados. Estes ácidos INIBEM A PROLIFERAÇÃO DE BACTÉRIAS PUTREFATIVAS, retardando a decomposição e estendendo o risco de contaminação. Isto foi previsto no projeto?


  • Uma última coisa: da mesma forma que existe a possibilidade de cemitérios funcionarem sem os devidos cuidados ambientais inerentes ao seu licenciamento ambiental (quando existem), quem garante que essa compostagem humana também será 100% confiável?

Minha conclusão: Não há base científica alguma para levar esse projeto adiante. Os conhecimentos de arquitetura desta senhora são absolutamente insipientes diante da interdisciplinaridade do assunto. Acredito que isto seja um tremendo engôdo sensacionalista.



Sintam-se livres para comentar.
Um abraço e até a próxima.


Fontes:

Human Death Project

The New York Times

e-Cycle

Paulo Lopes

Universidade Federal do Pará

CREA-SC

Química Nova Interativa

Diário de Pernambuco

PasseiWeb

Acqualive

Instituto Mauá de Tecnologia

Física no Zuleika

4 comentários:

  1. O método mais eficiente é a Cremação! Querem usar adubo humano, usem o lodo das ETEs e após a morte usem as cinzas!

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    1. Perfeito, Balduíno. Também tenho essa opinião.
      Tem muita gente querendo ganhar dinheiro às custas da ignorância alheia.

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  2. Recomendo o filme, já antigo "Soilent Green" (em português "À beira do Fim" com Charles Heston. Nele, diante da superpopulação e da escassez de alimentos e água descobre-se que os mortos, até incentivados a por fim antecipado nas suas vidas, são transformados em comida. Não é uma paródia ou um terror barato...impacta e faz pensar.

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  3. Caro Jack, dizem que a vida imita a arte, mas a verdade é que as coisas da vida são tão previsíveis que basta um cineasta escolher um tema e projetá-lo para o futuro.

    Entre todas as pessoas com algum poder de alertar sobre o rumo sombrio das coisas, infelizmente apenas os cineastas fazem isso. Mas por ser "apenas" arte, o alerta torna-se subjetivo.

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