INTRODUÇÃO - AS LENDAS URBANAS VIRTUAIS
O
Brasil vem demonstrando o resultado sinistro de um processo político-social
mal planejado e intencional: Uma “simbiose” entre o excesso de liberdade e a
falta de educação formal.
Verificamos
hoje o descrédito das tradicionais empresas jornalísticas, cada vez mais
tendenciosas e sensacionalistas, procurando sobreviver à perda de sua audiência
pulverizada entre as redes sociais. Tais redes (facebook, youtube, etc.) também
perderam seus propósitos iniciais (meio de comunicação entre pessoas distantes,
círculos de amizade, álbum de vídeos ou fotos, etc.) e tornaram-se uma espécie
de “Exú virtual” (Exú: Entidade espiritual cultuada nas seitas afro-brasileiras
cuja incumbência é, além de trabalhar como um “mensageiro” dos orixás, atender
aos desejos humanos, independente se os pedidos são benéficos ou maléficos a
alguém).
Pessoas
são incriminadas ou endeusadas de forma efêmera e em alta velocidade, verdades
tornam-se mentiras, mentiras tornam-se comoção nacional, desconhecidos
transformam-se em campeões de audiência, teorias de conspiração absurdas
multiplicam-se e são disseminadas e vociferadas cheias de ódio em troca de
algumas “curtidas”...
No
final do ano passado fiz algumas postagens sobre o uso indiscriminado, por
parte da imprensa, de falsas informações ou de informações dadas sem o mínimo
cuidado de verificar-se a veracidade ou procedência, importando-se apenas em
alcançar objetivos escusos ou simplesmente preencher um espaço. Veja as
postagens aqui ou aqui.
TEORIAS DE CONSPIRAÇÃO
Visando
especificamente as áreas em que possuo algum conhecimento (hidráulica,
saneamento, meio ambiente e adjacências), decidi “entrar de vez nessa dança” e
contribuir um pouquinho com a quebra de algumas dessas “desinformações” que
circulam em velocidade astronômica pela internet.
Para já iniciar exemplificando, no final do ano passado circularam alguns vídeos
amadores de pessoas questionando o estresse hídrico do Sistema Cantareira,
alegando teorias absurdas desde contrabando de água até o envolvimento dos
“Iluminatti” (veja o vídeo aqui). Foram posteriormente desmentidos por matérias
veiculadas por especialistas da área (veja o vídeo aqui), mas tais vídeos
atingiram milhões de pessoas. Quantas dessas pessoas receberam informação contrária,
desmentindo toda a baboseira? Quantas ainda acreditam em tais engodos?
Há um pouco mais de
tempo vêm sendo postados vídeos por moradores de diversas regiões do Brasil
reclamando sobre o “fornecimento de ar” que as concessionárias de serviços públicos
de saneamento estariam cobrando dos consumidores no abastecimento de água.
Selecionei aqui apenas três entre os vários existentes:
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
A
pergunta que não quer calar: “Quando o ar entra no encanamento e faz o
hidrômetro girar, a conta de água não aumenta?”.
De
acordo com as concessionárias de abastecimento de água, o ar que entra na
tubulação faz o hidrômetro rodar para frente (quando entra na tubulação) e para
trás (quando sai da tubulação), portanto, o giro para um lado compensa o giro
para o outro. Teoricamente falando, isto é verdade. Vejamos:
Sabemos
que uma parte do abastecimento de água é feita por gravidade, porém isto nem
sempre é possível. Invariavelmente há um grande desnível entre os reservatórios
locais e as residências situadas em cotas muito mais altas. Para que a água
chegue até estes consumidores é necessário uma pressão maior somente alcançada
por meio de pressurizadores de água chamados boosters, que são bombas d’água de fluxo constante.
Quando
a concessionária suspende o abastecimento para manutenção de bombas, da rede ou
então por rodízio ou racionamento programado, haverá no sistema uma
desaceleração brusca da velocidade da água nas tubulações que tenderia a parar e
estabilizar-se gradativamente se não houvesse o mencionado desnível, isto é, se
tubulação e reservatório estivessem nas mesmas cotas. Porém, o que se observa
na prática, após a interrupção, é o movimento da água agora no sentido
contrário, seja porque as residências estarão em cota (nível) mais elevada do
que os reservatórios ou que os próprios boosters,
seja porque a água obedece à lei hidráulica dos “vasos comunicantes” (vide
mangueiras de nível). O fato é que toda a água existente nas tubulações
retornará para as partes mais baixas da rede e se equilibrará assim que não
houver mais “espaços” para onde escoar, o que irá variar principalmente devido
ao consumo de água “da rua” (água da rede) nas regiões mais baixas, isto é,
enquanto houver consumo nas regiões baixas haverá escoamento das regiões mais
altas. Ao escoar das partes mais altas, a água da tubulação irá gerar outro
fenômeno físico: A tensão trativa ou de arraste.
A
tensão trativa (ou tensão de arraste) é definida como a tensão tangencial (ou cisalhante), exercida pelos fluidos sobre as
paredes da canalização. Não entenderam? Eu explico em outras palavras: À
grosso modo, tensão trativa é uma pressão negativa ou de sucção. Este fenômeno
físico fará com que o ar que porventura exista na tubulação seja arrastado logo
após a água.
Aqui
poderia surgir uma pergunta: “Que ar seria arrastado se a tubulação deve ser
absolutamente vedada e pressurizada para impedir a entrada de contaminantes
advindos do solo?”. Teoricamente isto realmente não poderia ocorrer, mas na prática
não é assim que funciona... Basta verificarmos os índices médios no Brasil de
perdas físicas nas redes de abastecimento de água: 38% (em São Paulo este
índice é de 33%). Tais perdas são ocasionadas principalmente por tubulações
rompidas no subsolo e ligações clandestinas feitas de forma precária, que são
portas de entrada para o ar ser arrastado dentro das tubulações.
Além
disso, uma vez que as interrupções no abastecimento de água ocorrem sem data
e/ou horário pré-determinado e estando os registros dos hidrômetros abertos, o
escoamento (tensão trativa) atinge ainda a tubulação interna das residências,
arrastando toda a água que estiver em contato com a tubulação ligada àquele
aparelho de medição (isto não inclui o encanamento interno que estiver ligado
ao reservatório – caixa d’água - da residência por tratar-se de outro sistema).
Ao esgotar-se a água dos encanamentos, haverá o arraste de ar por meio da boia
da caixa d’água que estará “aberta” se estiver abaixo de seu nível de abertura.
Pois
bem, demonstramos até aqui que a entrada do ar seria apenas o retorno dele que,
teoricamente até este momento, havia anteriormente escoado, o que se supõe não
influenciar nas medidas realizadas pelo hidrômetro, uma vez que este aparelho
funciona nos dois sentidos (demonstração no link acima).
Há
algum tempo eu pretendia escrever algo a respeito deste assunto, principalmente
após ter visto “pipocar” em diversas postagens enfurecidas no Facebook um dos
vídeos acima exemplificados. Tentei por várias vezes comentar e acalentar a
alma de várias pessoas e, em poucas palavras, justificar tais fatos, porém em
vão. Esbarramos invariavelmente em determinadas pessoas que, no afã de denegrir
uma empresa ou pessoa, deixam de ouvir a razão e agem apenas pela emoção.
Ouvi frases tais como “isso do ar virar o relógio ao contrário eu nunca vi, mas
girar com o ar entrando estou cansado de ver...” Como eu disse anteriormente, é
mais fácil flagrarmos o momento da entrada de ar do que a saída, pois não há
prévio aviso para o corte no abastecimento. Porém sempre aguardamos ansiosos a
chegada da água... Assim, para que eu pudesse comentar algo sobre o assunto sem
ser “carinhosamente” desacreditado pelos colegas, faltava ainda comprovar esta
saída de ar e a marcação inversa do hidrômetro na prática.
Dias
atrás, em minha casa, para que eu fizesse a manutenção da vedação do registro de uma
torneira na pia da cozinha, vi-me obrigado a fechar o registro de entrada no
hidrômetro, uma vez que não há esta “facilidade” dentro daquele ambiente. Para
minha surpresa, antes de girar o registro, notei que os marcadores estavam girando
ao contrário... Ali estava a prova que me faltava!!! De posse de uma câmera
digital e com a ajuda de minha esposa, consegui captar alguns momentos finais
do recuo do ar sendo arrastado e girando os ponteiros no sentido anti-horário,
isto é, descontando o volume escoado.
Preparando
esta postagem, fiz uma pequena pesquisa no youtube à procura de vídeos que
denunciavam a tal “cobrança de ar” para ilustrar os dois lados do assunto, e
deparei-me com outra surpresa: Encontrei pelo menos mais dois vídeos onde as
pessoas alegavam estarem sendo enganadas pela concessionária devido à cobrança
de ar, porém OS PONTEIROS ESTAVAM GIRANDO AO CONTRÁRIO! Não sei se foram
movidas ou não pelas outras “denúncias”, mas o fato é que não perceberam estar
registrando exatamente o oposto do que diziam.
Melhor
“municiado” de provas incontestes, resolvi baixar tais vídeos e, juntamente com
aquele que realizei montei uma pequena compilação, a qual também publiquei no
youtube e que disponibilizo à seguir o link:
Acima
de todas estas comprovações restou-nos um alerta: O alto grau de possibilidade
de contaminação de nossas redes de abastecimento de água.
1º.
Os altos índices de perdas físicas de água são potenciais portas de entrada de
micro-organismos patogênicos e/ou de substâncias prejudiciais à saúde. Vale
lembrar que no nosso subsolo estão também as tubulações coletoras de esgotos e
de águas pluviais, as quais também podem romper e despejar um grande volume de
águas residuárias a serem succionadas para o interior da tubulação de
distribuição e de adutoras, aguardando o acionamento do bombeamento e
consequente distribuição desta mistura nociva;
2º. A passagem de
água e ar succionado das caixas d’água das residências (que na teoria não deveria ocorrer) para as redes públicas
também pode ser uma porta de entrada de patogênicos. Toda a população está à mercê
de uma contaminação originada nos reservatórios domésticos, seja por má
conservação ou por mau uso, seja pela falta de uso ocasionada por residências
fechadas, sem moradores, onde a proliferação de pragas, tais como ratos e
pombos, pode ocasionalmente esconder seus ninhos ou seus óbitos.
Bloqueadores de ar
De acordo com os fabricantes, os bloqueadores de ar são dispositivos instalados APÓS o hidrômetro (instalar antes do aparelho é proibido e ocasiona multa) visando impedir o fluxo de ar porém permitindo a passagem de água.
Os fabricantes prometem até 50% de economia na conta de consumo, porém o dispositivo não possui certificação do INMETRO. Mas a maioria das concessionárias alega que, por não haver certificação ou regulamentação do dispositivo, sua utilização pode acarretar a contaminação de todo o sistema. Vejam algumas ocorrências:
- Em Bebedouro, interior de São Paulo, a concessionária local solicitou que os consumidores retirassem os bloqueadores instalados (vide matéria);
- Na cidade de Feira de Santana (BA), a câmara aprovou no ano passado um Projeto de Lei obrigando a EMBASA a instalar bloqueadores na residência dos consumidores que se sentirem prejudicados com a "cobrança de ar", mas ainda não foi sancionado pelo prefeito (vide matéria);
- A COPASA, concessionária mineira de abastecimento de água, colocou à disposição dos consumidores a venda e instalação espontânea àqueles que desejarem obter dispositivos com laudo de proficiência emitido pela UFMG ou pela UNIFEI, cobrando valores "bem salgados" e estabelecendo exigências rígidas para adaptação e fiscalização do aparelho, porém ainda assim deixa claro que tais dispositivos não produzem diferenças significantes no consumo, segundo testes realizados pela UFMG e divulgação do PROCON (vide matéria);
- O programa dominical Fantástico, da Rede Globo de Televisão, produziu uma matéria sobre o uso do dispositivo e o resultado de testes realizados pela USP São Carlos, porém sem uma definição conclusiva à respeito (vide o vídeo com a matéria).
Portanto tudo o que existe sobre o assunto Bloqueadores de Ar ainda está longe de uma posição definitiva, o que nos remete ao pensamento de que se não há aprovação do INMETRO, não se deve ser usado.
E na minha opinião pessoal, se partirmos do princípio de que não há perdas para o consumidor no balanço entre saída e entrada de ar que passa pelo hidrômetro, não há motivos para gastos com esse dispositivo.
Até a próxima!!!
Fontes (além daquelas inseridas no texto):
http://radios.ebc.com.br/revista-brasil/edicao/2015-03/perdas-de-agua-no-brasil-desperdicio-fica-em-torno-de-38
http://www.tecnocontrol.com.br/produtos/pressurizadores-tipo-booster/pressurizadores-de-redes-de-agua-tipo-booster/
http://www.samasa.com.br/dica.php?id=1&pagina=1
Fontes dos vídeos da compilação:
Vídeo 1
Autoria própria
Vídeo 2
Título: Vento encanado, novo serviço da Sabesp
Autor: Jonas Carvalho
Endereço:
https://www.youtube.com/watch?v=siQjgW0igJU
Vídeo 3
Título: Hidrômetro roda ao contrário
Autor: Diário da Região
Endereço:
https://www.youtube.com/watch?v=E-TO2d-8RTs